 As Famílias Rurais e a Necessidade de uma Política de Aquecimento RealistaÀ medida que a Europa avança na descarbonização de edifícios com a nova Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), uma questão continua sem resposta: e as zonas rurais, onde vivem cerca de um quarto dos cidadãos europeus, isto é, mais de 110 milhões de pessoas?
Grande parte do debate político foca-se em cenários ideais — novas construções, áreas urbanas, ou incentivos generosos. Mas a realidade é diferente. Milhões de europeus vivem em casas antigas, em regiões frias e afastadas, muitas vezes sem acesso fiável à rede elétrica ou de gás. Para estas famílias, a transição energética precisa de ser não só verde, mas também acessível, económica e flexível.
Mais de metade dos edifícios residenciais na Europa têm mais de 45 anos, e a necessidade de aquecimento é elevada, principalmente em países onde os invernos são rigorosos e as infraestruturas limitadas.
Mesmo assim, o financiamento europeu, os certificados, e as estratégias nacionais, continuam a favorecer uma solução única: a eletrificação por bombas de calor. No entanto, esta opção nem sempre é viável — seja pelos custos, pelas características dos edifícios ou pelas limitações das redes. Obrigar as famílias a endividarem-se ou a seguir normas rígidas sem alternativas reais, irá gerar resistência à mudança.
Precisamos de soluções que reconheçam a diversidade dos rendimentos, os edifícios e os contextos energéticos. E que ofereçam aos cidadãos escolhas práticas e eficazes.
A Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) deve, assim, garantir que os objetivos de eficiência e descarbonização sejam alcançados, sem impor ou favorecer tecnologias específicas. A atual abordagem tende a privilegiar certas soluções, como bombas de calor ou energia solar, o que limita a flexibilidade dos Estados-Membros, encarece projetos e pode inibir inovações. Uma diretiva neutra deve focar-se em metas de desempenho, permitindo que diferentes tecnologias – adaptadas aos contextos locais – concorram de forma justa para alcançar os resultados desejados.
Os gases líquidos renováveis, como o bioGPL e o éter dimetílico renovável (rDME), já são reconhecidos pela Diretiva das Energias Renováveis (RED III), desde que cumpram rigorosos critérios de sustentabilidade. No entanto, continuam em grande parte ausentes da implementação de outros enquadramentos fundamentais, como a Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) e a Diretiva de Eficiência Energética (EED).
Os gases renováveis devem ser incluídos. O Acordo Industrial Limpo e as regras de auxílios estatais devem abranger o bioGPL e o rDME. Estes combustíveis, fáceis de usar e escaláveis, permitem descarbonizar sem mudar equipamentos ou esperar por novas infraestruturas - como a expansão da rede elétrica - sendo ainda adequados a zonas sem acesso ao gás natural.
Substituir caldeiras antigas por sistemas eficientes de condensação a gás, combinados com isolamento e gases renováveis como o bioGPL, pode ser uma opção mais económica do que a eletrificação. Estas soluções híbridas devem ser incluídas nas estratégias e financiamentos nacionais.
É também necessário criar um sistema de certificação europeu para os gases líquidos renováveis que seja claro e confiável, que garanta transparência e facilite o comércio entre países. A Liquid Gas Europe - LGE - já disponibiliza um modelo, o “Building Energy Everywhere”, através do qual se mostra como políticas práticas podem apoiar a transição energética em casas reais.
De realçar que nos congratulamos com as orientações recentemente publicadas pela Comissão Europeia sobre a implementação da Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) reformulada. Elas representam um marco fundamental, reconhecendo explicitamente os combustíveis gasosos renováveis, incluindo os sistemas de aquecimento baseados em bioenergia e a combustão de gases renováveis no local, como estando em conformidade com as normas de Edifícios com Emissões Zero (ZEB).
A transição energética não pode beneficiar apenas os mais ricos ou os que vivem nas grandes cidades. Se queremos que seja verdadeiramente justa e inclusiva, precisamos garantir que todos — independentemente da localização geográfica ou condição socioeconómica — tenham acesso a soluções viáveis. Isso significa ampliar as opções tecnológicas, evitando modelos únicos que favorecem apenas quem tem capacidade de investimento ou acesso a infraestrutura avançada. Cada casa, em qualquer lugar, deve ter a oportunidade real de participar nesta mudança, com soluções adaptadas ao seu contexto, acessíveis, eficientes e sustentáveis. Só assim a transição será um esforço coletivo e equitativo, e não um privilégio de alguns.
José Alberto Oliveira, Diretor Técnico da Epcol
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