O compromisso Belém 4X e o impulso necessário à descarbonização sustentávelA 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada em Belém, ficará marcada como mais um momento em que a urgência da ciência climática se confrontou com os limites da diplomacia internacional. Os próprios representantes europeus reconheceram que o resultado final ficou aquém do necessário para enfrentar a crise climática. A resistência de um conjunto significativo de países com interesses energéticos convergentes, aliada a uma presidência pouco disposta a elevar o nível de ambição, travou progressos mais decisivos em áreas críticas, como a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.
Ainda assim, num cenário de avanços insuficientes, emergiu uma decisão que merece ser destacada com firmeza: o compromisso Belém 4X, que propõe quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035 com base em políticas já existentes ou anunciadas. Trata-se de um avanço concreto e de impacto imediato, assente em soluções tecnológicas maduras e compatíveis com as infraestruturas atuais, permitindo reduzir emissões nos setores mais difíceis de descarbonizar, como aviação, transporte marítimo, indústria pesada e transporte rodoviário de longo curso.
Importa destacar o papel do Brasil neste processo. Ao longo da cimeira, o Presidente Lula da Silva recordou que 90% da eletricidade nacional provém de fontes renováveis e que o país foi pioneiro no desenvolvimento de motores flex, no uso massivo de etanol e na produção de biodiesel. Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis e apresenta resultados concretos de décadas de investimento em inovação no setor energético. O compromisso Belém 4X insere-se, assim, numa trajetória já consolidada, mas ganha agora projeção global ao ser apresentado como solução acessível para países com realidades socioeconómicas distintas. Numa altura em que cerca de 2 mil milhões de pessoas continuam sem acesso a combustíveis de cozinha adequados e em que 660 milhões dependem de querosene ou geradores a diesel, a transição energética não pode ser tratada apenas como uma questão tecnológica e deve ser também um processo social, humano e economicamente inclusivo.
A variedade de países que já subscreveram o Belém 4X, agora 23 no total, reforça o seu carácter agregador. Os signatários incluem economias desenvolvidas, países emergentes e nações que enfrentam desafios energéticos estruturais. Esta pluralidade mostra que o compromisso ultrapassa a lógica dos blocos tradicionais, formando uma coligação capaz de superar divergências geopolíticas que historicamente dificultaram o consenso climático. A mensagem é clara: não existe um único caminho para a neutralidade carbónica, e é precisamente através da cooperação global em combustíveis sustentáveis que países com realidades tão distintas podem convergir. E há potencial para que mais países se juntem até à próxima COP, fortalecendo ainda mais este movimento coletivo.
Do ponto de vista industrial, o momento é igualmente significativo. Embora não tenha participado na COP30, a FuelsEurope tem manifestado publicamente o seu alinhamento com os objetivos do Belém 4X, reforçando a importância de promover combustíveis sustentáveis baseados em critérios sólidos de certificação, contabilidade de carbono e interoperabilidade. Este alinhamento demonstra que o compromisso está a gerar sinalização positiva junto de um setor que desempenha um papel crucial na escalabilidade e viabilidade económica das soluções energéticas de baixa emissão.
A COP30 deixou também clara uma realidade: a União Europeia, apesar da sua liderança climática, não pode avançar sozinha. O isolamento crescente das posições europeias reforça a necessidade de construir novas coligações internacionais e de adotar uma abordagem mais pragmática. O Belém 4X contribui exatamente para isso, ao promover neutralidade tecnológica, ao estimular caminhos diversos para a descarbonização e ao propor medidas práticas como a harmonização de metodologias de contabilidade de carbono, a aceleração de licenciamento, a promoção de práticas agrícolas sustentáveis e redução do custo de capital para investimentos em países emergentes. São ações com potencial para gerar resultados imediatos e consolidar bases para uma expansão sustentável do setor.
Celebrar o Belém 4X é reconhecer uma iniciativa que alia ambição a pragmatismo. O compromisso admite que a eletrificação terá um papel central, mas não será suficiente em todos os setores nem adequada a todas as regiões. Valoriza soluções já disponíveis e escaláveis, capazes de reduzir emissões rapidamente sem prejudicar a competitividade ou aprofundar desigualdades. Estabelece ainda um percurso claro até 2035, com metas que reforçam a confiança de governos, investidores e consumidores. E recorda-nos que, mesmo perante desafios significativos, existem soluções imediatas e credíveis para avançar rumo a um futuro mais sustentável.
Laura Murtinha, Analista de Ambiente, Segurança e Qualidade, EPCOL
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