Segurança energética em tempos de incertezaDurante a Segunda Guerra Mundial, a Segunda Batalha de El Alamein, travada entre outubro e novembro de 1942, constituiu um ponto de viragem decisivo na campanha do Norte de África. As forças do Eixo, comandadas pelo marechal Erwin Rommel, estavam enfraquecidas e enfrentavam enormes dificuldades logísticas, em particular no abastecimento de combustível, indispensável para a mobilidade dos tanques do Afrika Korps. A longa distância das bases de suprimento na Líbia e a ação eficaz da marinha e da aviação britânicas, que afundavam ou bloqueavam sistematicamente os navios de abastecimento vindos de Itália, deixaram Rommel sem margem para resistir à ofensiva britânica liderada por Bernard Montgomery. A escassez de combustível impediu manobras blindadas e contra-ataques eficazes, conduzindo à derrota do Eixo em El Alamein e ao início da sua retirada definitiva do Norte de África.
Este episódio histórico ilustra de forma exemplar a importância dos combustíveis líquidos em cenários de conflito. Sem gasóleo, não há tanques em movimento; sem jet fuel, não há aeronaves a levantar voo; e sem energia logística, não há operações militares sustentáveis. A logística do combustível não é um detalhe acessório, mas sim o pilar que suporta a capacidade de combate.
A ênfase deve recair sobre os combustíveis líquidos enquanto vetor energético essencial, e não apenas sobre a sua origem fóssil. De facto, é possível garantir o abastecimento do aparelho militar não só com combustíveis de origem fóssil, mas também com combustíveis de baixo carbono, sejam eles de origem biológica ou sintética. Ao longo da história, países como a Alemanha e a África do Sul desenvolveram capacidades alternativas de produção em contextos de crise e embargo. Torna-se, por isso, essencial promover um enquadramento industrial e regulatório que assegure a capacidade de produção, em escala e de forma célere, de combustíveis líquidos, reconhecendo que este vetor energético é determinante para o abastecimento do transporte aéreo e marítimo e continua a representar uma componente significativa do transporte rodoviário. Só mantendo capacidade instalada para a produção de combustíveis líquidos, fósseis ou de baixo carbono, será possível garantir a segurança de abastecimento do aparelho militar de forma economicamente viável.
A União Europeia enfrenta um desafio de equilíbrio entre transição energética e segurança de abastecimento. Através do Pacto Ecológico Europeu, do pacote Objetivo 55 e do plano REPowerEU, a UE tem avançado na descarbonização e na redução das emissões. Contudo, este processo tem conduzido ao encerramento ou à conversão de várias refinarias para a produção de combustíveis alternativos, o que, apesar de coerente com os objetivos climáticos, reduz a capacidade interna de refinação e aumenta a dependência de importações externas.
Gasóleo e jet fuel permanecem indispensáveis para a defesa e para a resposta a situações de crise, e não existe ainda, à escala necessária, qualquer substituto operacionalmente viável para muitas das suas aplicações, nomeadamente em setores como o transporte marítimo, aéreo e militar. Assim, enquanto as tecnologias de carbono zero não atingirem maturidade e escala suficientes, a manutenção de uma capacidade industrial robusta de produção de combustíveis líquidos, incluindo os de baixo carbono, permanece essencial para assegurar a resiliência energética e a autonomia estratégica da União Europeia.
A Comissão Europeia já reconheceu esta preocupação no âmbito da revisão da Diretiva de Reservas Petrolíferas (Oil Stocks Directive), enquadrada no atual quadro de Segurança do Abastecimento (Security of Supply Framework), e estão em análise mecanismos legais que permitam, em caso de emergência, mobilizar reservas civis para fins militares, garantindo que as forças armadas tenham acesso ao combustível necessário.
O reforço da estratégia de armazenamento demonstra a vontade de preparar a Europa para cenários de maior tensão, num contexto em que segurança energética e defesa voltam a cruzar-se. No entanto, não basta criar reservas: é essencial garantir que o combustível pode ser rapidamente transportado e distribuído entre países, assegurando uma logística eficaz mesmo sob pressão e evitando falhas críticas de abastecimento.
As reservas legais devem ser dimensionadas de forma realista, articuladas com necessidades civis e militares, e suportadas por infraestruturas de refinação, transporte e armazenamento modernizadas. Importa igualmente fomentar políticas que incentivem a produção em escala de combustíveis líquidos de baixo carbono, através de incentivos, projetos-piloto, certificação e simplificação regulatória, de modo a conciliar a transição com a manutenção da capacidade estratégica.
O caminho exige equilíbrio: avançar na descarbonização sem fragilizar a resiliência estratégica, adaptar refinarias para combustíveis de baixo carbono sem eliminar produtos essenciais e reforçar reservas estratégicas com mecanismos claros de acesso militar.
Laura Murtinha, Analista de Ambiente, Segurança e Qualidade EPCOL
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